Maria J Fortuna
Em setembro do ano passado, estávamos eu e minha prima, caminhando pelas ruas de algumas capitais da Europa meio que com asas na cabeça! Eu, louca para escarafunchar tudo que não havia visto na viagem anterior, perplexa com a incrível visão do belo em cada esquina! A prima, descobrindo o Velho Mundo, tentando esquecer as aflições que a deixaram cansada como a do também velho pai, que ficara no Brasil. Formávamos uma dupla interessante! Eu, deixando acontecer, desligada das convenções, perigando nem saber, em determinadas horas, para onde estava indo... Ela, atenta, preocupada, escrevendo o diário da viagem que eu tentava escrever e não conseguia e, quando acontecia de lembrar, deixava-o cheio de lacunas.
No quarto que dividíamos no hotel, minha prima mantinha-se impecavelmente arrumada. Tudo nos seus devidos lugares. Eu espalhava maquiagem, roupas, bolsas, sapatos em gavetas e armários e ainda no banheiro. Uma loucura! Minha mala era enorme, tinha segredo, cadeado e muitas roupas que seriam usadas conforme a necessidade e só minha prima sabia fechar, com seu jeitinho certo. Ela com mala pequena, programada meticulosamente um mês antes, com roupas que usaria durante toda a viagem, conforme o clima. Não sem antes ouvir depoimentos de amigos e conhecidos viajantes naquela estação de outono e, lógico, pesquisando a meteorologia.
No banheiro, minha prima colocou um incenso, com um isqueiro ao lado. Todas as vezes que uma das duas usasse o sanitário, teria que acender o tal incenso para expulsar os maus odores... Para evitar constrangimento passei a acendê-lo também. Para mim ficou difícil sentir o perfume, que costumava usar para meditar, num momento solitário em que pedimos desculpas aos anjos pela nossa condição humana... O perigo maior era associar, dali pra frente, tão desprezível odor, ao sagrado momento em que eu realizava minhas meditações. Foram trinta dias sentindo o cheiro do incenso chamado “Ângelus” no banheiro! Acabei me acostumando e dizendo a mim mesma que procuraria um perfume bem diferente para os meus íntimos contatos com o Criador. Algo que não lembrasse nem de longe o incenso dos trinta dias...
A prima era excelente companhia e este fato ficou como que algo bizarro, para fazer-nos rir. E a viagem transcorreu sem muita estranheza de uma para outra. Ela foi educada para ser organizada, com grande percepção do que está “sujo”. Haja vista que ao contemplar o castelo de Chambord no vale de Le Loire, exclamou:
- Oh! Mas este castelo está sujinho!
Na minha cabeça voadora, passou a imagem da prima com um enorme balde, jogando água nas torres do castelo e ela suando ao passar um esfregão. O castelo é enorme!
Assim nossa viagem transcorreu muito bem. Visitamos grandes cidades como Paris, Lyon, Ilhas Gregas, Lusern, Éfeso, Porto, onde lancei na FENAC meu livro infanto-juvenil, "A sementinha que não queria brotar", e outras menos famosas. A prima, apesar de organizadíssima, fotografou-me por duas vezes no lançamento do livro, sendo que, nas duas, saí de costas para a posteridade...
Nós duas perdemos, em algum momento, nossas bolsas e nos descabelamos atrás delas. Ligamos o alarme do boxe no banheiro em Lisboa, para saber qual a utilidade do fio pendurado perto do chuveiro , e atravessamos dezena de vezes a linha do tróleibus, sem saber qual direção que nos levaria a Pça de S. Pedro sem falar uma palavra de italiano.
Quando desembarcamos no Aeroporto Tom Jobim ou Galeão no Rio de Janeiro, fomos nos recompor no banheiro da longa viagem de 13 horas de vôo. Adorei jogar água fresquinha no rosto. Por causa do calor resolvi molhar os cabelos, entusiasmada com o frescor da água. Fechei os olhos e fui curtindo estar de volta ao meu país, apesar das maravilhas que vi lá fora. E ponderei que eu viajaria mais vezes com a prima que, devido a seu zelo, não me deixava chegar atrasada em lugar nenhum. Foi um confronto interessante porque, apesar de amigas de infância, não tínhamos o hábito de viajar juntas. Tão irritante a minha bagunça seria para ela como o excesso de ordem de sua parte. Estava assim, já refazendo a maquiagem, quando dei por falta da prima. Quem sabe está lá fora? Pensei. Saí dali, olhei para ambos os lados e nada... Hum... Ainda bem que estamos no Brasil, continuei meu pensamento. Quando cheguei à porta do toalete, cheia de malas, senti um perfume muito familiar vindo do interior do banheiro. Algumas pessoas estavam ali tão perplexas quanto eu. Alguém fazendo despacho no banheiro do aeroporto? Pareciam pensar com seus risinhos... Ou por que disfarçar maus odores... Mas em banheiro público? Pois não era o tal incenso da prima? Exalava tão concentrado naquele lugar, bem mais que nos quartos de hotel, porque ali só tinha uma saida.
Pois foi assim, gente! Até no finalzinho da viagem...
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