sábado, 25 de outubro de 2008

O Pivô


Maria J Fortuna

Toda radiante vestiu seu vestido de cotelê azul marinho, última moda naquele inverno, rumo ao banquete. O evento acontecia na Casa do Baile em Belo Horizonte. Lugar de prestígio para grandes acontecimentos na época. Sua disposição era aproveitar, ao máximo, aquela oportunidade naquele ambiente sofisticado. Sonhava com os quitutes do banquete: degustar uma ceia inédita e, quem sabe, arrumar alguma companhia interessante que poderia terminar em namoro. Afinal naqueles idos anos sessenta as pessoas flertavam, namoravam, noivavam e casavam. Todos estes verbos. Agora temos o “ficar”, que junta tudo isso numa só ocasião e, na maioria esmagadora de vezes, não tem futuro.
Assim que chegou, os amigos fizeram festa:
- Maravilha você aqui! Falaram animados. Que bacana você está... E daí por diante.
Sentou-se admirando a grande mesa comprida rodeada por ilustres convidados: diretores e presidentes de várias indústrias, firmas importantes, gente do comércio e altos funcionários de repartições publicas. Um clima elitizado, engomado, cheirando a gente rica.
Os garçons começaram a servir. A comida era ótima e o vinho da melhor qualidade! Risos pra cá e pra lá. Os convidados já estavam descontraídos.
Um homem “bem apanhado”, como se costumava a dizer dos bonitões na época, estava com olhar fixo em sua pessoa. Puxa, parece que havia interesse... Aquele homem elegante armou um sorriso aberto desde sua chegada.
De repente rompeu no salão aquela música louca, maravilhosa, cheia de altos e baixos. Não podia deixar de ser... Reconheceu: era o frevo pernambucano que havia aprendido a dançar quando menina! Oportunidade para mostrar-se original na terra dos mineiros. Partiu para a pista redonda no meio do salão. Depois da terceira taça de vinho, arrancou os sapatos altos e iniciou, descalça os movimentos do frevo. Animada com o som das palmas que se fizeram ouvir, descia e subia tão rapidamente que não notou que o pivô, na arcada superior da boca, cambaleava ao som do daquele frevo estonteante!
Voltou para a mesa abrindo-se num largo sorriso. A amiga ao lado, arregalando os olhos, aproximou-se do seu ouvido esquerdo e segredou:
- Caiu! Caiu!
Ao indagar – Caiu o que? Sentiu que sua voz estava alterada, saia como que soprada. Passou a língua na gengiva superior e verificou que lhe faltava o pivô. Onde estaria o dito cujo? Vasculhou com o olhar a mesa e nada... Chegou então à conclusão que só podia estar no tapete que, por infelicidade, era da cor do dente! Resolveu ir ao encalço do mesmo. Era o jeito... Escorregou, discretamente para baixo da mesa. Não sem antes ser notada pelo “flerte” a sua frente. Procurava o pivô com dedos nervosos. Missão quase impossível! O tapete era marfim felpudo, cor de dente. Por sorte, depois de muita agonia, conseguiu encontrá-lo.
O homem a sua frente percebeu quando sua pequena mão procurou, na superfície da mesa, um pedaço de pão. Achou aquilo estranho... Mas continuou com o olhar fixado ali, como um gato esperando a presa para cair-lhe encima. Ela calçou o artefato dentário com miolo de pão. Recolocou-o aliviada. No stress havia-lhe arranhado o lábio inferior com o pino plantado na gengiva. Mas agora parecia ter provisoriamente solucionada a questão. Emergiu então ainda meio tonta do sufoco... E sorriu...
De olhos arregalados a amiga que estava sentada a seu lado, segredou-lhe ao ouvido:
- Tá ao contrário! Tá ao contrário!
O “flerte” observava com um ar meio idiota. E sorriu desconcertado, fingindo nada perceber.
De susto e surpresa ao ouvir o que a amiga tinha dito e sob os olhares curiosos dos circundantes, entrou em agonia e engoliu o pivô.

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