sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Corda bamba




Maria J Fortuna

            Fui criada na dor da culpa. Os instrumentos que moldaram minha alma resultaram no cerceamento da liberdade, que leva ao desconhecimento de si mesmo e   à dissociação do sagrado x profano, tendo como consequência, o amor culposo. Não só eu tive o “privilégio” de vivenciar a experiência  da  deseducação, mas toda uma geração!  Com isto, só havia dois caminhos a serem trilhados: o das pessoas “normais” e o da corda bamba, isto é: assumir o próprio desequilíbrio. Confesso que por ter horror ao primeiro caminho, optei pelo outro, a principio compulsivamente, depois com mais lucidez e consciência.

Encarar a corda bamba não é fácil, principalmente por falta de preparo, que é o que recebemos dos pais e professores, além das pessoas da família.  Escrevi sobre isto no meu primeiro livro infanto-juvenil: O menino do velocípede, que na realidade foi um recado para adultos. Por isto vendeu tão pouco. Confesso que ainda não aprendi a arte de morrer de todo para as más lembranças, mas pelo menos deixei de ser palhaço e voltei para a corda bamba, que é um convite a todos nós. Para colocar um pé atrás do outro nesta corda, amigos, não é fácil! Tem toda uma platéia dividida lá embaixo: uns torcendo pela sua vitória; outros para ver você se espatifar  no chão,  voltando assim à  condição de palhaço. E você não sabe onde põe seu medo que, se não for de mãos dadas com você, estará tudo perdido!

A cada passo você tem que se lembrar de quem é, em primeiro lugar. Do amor e cuidado para consigo mesmo, sem os quais não consegue vencer o desafio! Depois, lembrar-se de  que os obstáculos são: muita competitividade, brutalidade, exclusão  e coisas que dividem, como preconceito, fundamentalismo e  consumismo religioso. A conexão com o Cósmico é indispensável, mas só se dará se houver autoconhecimento, aceitação e acolhimento do que se é  e  não do que eu e os outros pensam que sou.

Quando penso nos perigos por que passei e ainda, se tiver vida, vou passar, um frio me percorre pela espinha! Mas se escolhi ser eu mesma, não posso temer tanto o abismo. E sei que, com algumas bolas coloridas nas mãos, a minha criança interior vai brincar e distrair a mim mesma e as  pessoas em minha volta,  para que esqueçam, por alguns instantes, os riscos do cotidiano e os limites da velhice e da morte. Porque nada se compara à dor de trair-se a si mesmo, tentando esquecer ou negando o que se é.

Assim vamos por aí, frágeis e incompletos, buscando a realização no desequilíbrio, que é nossa real condição. Quem se preocupa apenas com a performance está arriscado a morrer com a fantasia de palhaço grudada ao corpo, sendo que a de equilibrista se descola facilmente quando nos despregamos da matéria.

Mas, quem entende bem  de equilíbrio e desequilíbrio é o trapezista! Este é, para mim, o melhor do circo. Sempre foi o mais belo e corajoso dos personagens.  Traz consigo o sentido, a expressão corporal da liberdade.   Lançar-se, apesar de tudo, imitando pássaros!  Sobretudo quando é um casal. Quando um apara o outro no ar em cima do perigo. Quando alguém aceita o desafio de se arriscar, segurando o outro , ao mesmo tempo  em que o solta,  na expressão de amor e confiança.

3 comentários:

MJFortuna disse...

Querida colega UNIPAZ,



Adorei o que vc escreveu, toca naquilo que está guardado dentro da gente e ai faz-se o milagre dos "espelhos" e a gente se indentifica completamente. As suas palavras vão amolecendo o coração e trazendo compreensão!!!



Quero aproveitar tb e te agradecer o seu tão gentil comentário em meu BLOG, foi muito estimulante, e é tudo o que precisamos nessa empreitada da escrita diária, não é???



Portanto, reitero mais uma vez a sua generosidade comigo!!!!



Não te respondi antes, pq estava num "Retiro Espiritual" e só voltei ontem. Na realidade, estou de volta ao planeta terra hj, pq literalmente foi o que aconteceu, eu sai realmente do ar!!!



Vamos "TROCANDO" por aqui,



Abração,




TERESA BRAGA

Acesse a msg do dia no : www.tepulsar.novolhar.zip.net

Eliane Accioly disse...

Amiga querida, notícias através do blog, adorei Saramago! Saudades de você! Mamãe teve pneumonia e ficou quatro dias internada, no carnaval. Agora está bem, no jeitinho dela. Gostei muito de um médico que me falou das limitações naturais da velhice, da dem~encia senil avançada, e teve um olhar humano. beijos a você, Nanda, Nicolas e tia Lourdinha!

MJFortuna disse...

Teresa, feliz fico eu com esta nova aquisição de amizade, em que trocamos aquilo que sentimos e a experiência do que vivemos. Significa muito para mim receber retorno daquilo que escrevo, cujo pincel é a alma. Obrigada pelo seu comentário.
No seu blog senti o movimento da transformação. Peço ao Criador que esse batismo seja de amor, mas certamente o é.

Um grande abraço

Maria J Fortuna

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