sexta-feira, 16 de março de 2012

Ninguém avisou







Maria J Fortuna





Ninguém avisou pra gente que seria assim...
Tem curso para educar crianças, para atender aos vendavais da adolescência, para moços, senhoras menopausadas, etc. Tem até curso para lidar com terminais! Mas ninguém comunica com clareza pra gente o que poderá acontecer depois dos sessenta anos de vida... Salvo nos programas sobre saúde para a terceira idade. Se bem que curso de como envelhecer simplesmente, soa esquisito... Mas juro que eu não sabia... Talvez porque seja inexplicável...
Tal comunicado partiria, logicamente, de quem já vivenciou a estação do outono e chegou ao inverno. O que ocorre no corpo é óbvio. Mas, e no espírito que carece de superação a cada passo? O que toda esta enorme população de idosos está sentindo a respeito?
Salvo a fragilidade física, como denominador comum, o que sente esta grande camada de envelhecentes à medida que as décadas se sucedem? Estamos ai, trazendo todas as estações em nossos corpos em nossas lembranças, como se tais recordações pertencessem a encarnações passadas...
Sem chance terapeuta mais novos tratarem de idosos. Falta de referência. É como padre aconselhando casais. Na verdade quem não chegou até lá, não tem a menor idéia da situação. E os que chegaram preferem não comentar.
No meu caso procuro dentro de mim onde está o medo que gera tantos preconceitos. Então encontro na caixa preta do inconsciente o porque de tão difícil envelhecer:  Medo da morte! No frigir dos ovos, sinto que toda nossa dificuldade de pessoas, jovens ou idosas, reside no tabu da morte. Fato que quanto mais consumistas somos, menos engolimos.  Não só a certeza da finitude, mas a velhice é muito dura de ser aceita porque uma sinaliza a outra - o fim da nossa vida na Terra. Por isto evita-se falar sobre o assunto. Talvez em consultórios médicos, ou na confidencia de um individuo para o outro que está passando pelo mesmo processo... Mas é difícil encarar o fato com naturalidade. Tenho conhecido pessoas que apesar de serem muito religiosas, tem a mesma dificuldade.
Mas qual o momento da vida que não temos o desconhecido pela frente? E qual de nós não passa por pela sinfonia inacabada das perdas em todas as fases da vida? O medo de perder será maior que a vontade de ganhar? O que podemos ganhar no fim da vida? Quem, por alguns segundos, não se perdeu da mãe quando criança, e ficou desesperado chorando pelos cantos, sentindo um vácuo dentro de si? Dá para avaliar o que significa isto?
O desconhecido é uma questão sem solução para o ser humano. Por isto mesmo existe a esperança e a fé. A gente morre todos os dias por falta de fé que é irmã da esperança.  Para os mais intelectualizados é mais difícil dizer que a fé vai à frente e o intelecto atrás. Não adianta querer discutir está questão. A mente não dá conta de resolver problemas do coração.
Ninguém avisou a gente que seria assim... Talvez porque a experiência de cada um, dentro deste contexto, é única e indivisível. Mas se descobrimos que assim é, vamos reconsiderar se estamos vivendo e como.
Teoricamente eu sabia que meu corpo iria ficar tão cansado algum dia que eu simplesmente pediria, talvez silenciosamente, para ir embora.
Mas também desconhecia que ao mesmo tempo em que o corpo vai caindo por terra, nova semente nasce em nossos corações – a semente da transcendência! Este apelo estimula nossa capacidade criativa que brota com maior intensidade. Na atenção movida pela curiosidade, o volume de indagações vai aumentando consideravelmente! É hora do passado tornar-se aliado e que as experiências antigas fundamentem as novas.
Tenho sentido que ao lado das dificuldades físicas, a capacidade de amar se amplia devido ao exercício de tolerância conosco mesmos e da compaixão para com os outros. A paixão continua existindo... Apenas não temos mais interesse em processar tudo que acontece a ponto de guardar na memória um punhado de coisas inúteis.
A idade é um número que não tem contagem regressiva. Cabe a nós mesmos somar conhecimento, sensibilidade e sabedoria.
Com tanta riqueza acumulada, não podemos pedir licença a ninguém para nos fazer presente, seja aonde for! Melhor que a gente se torne presente em amor e humor, o mais depressa possível!
Refleti e cheguei ao ponto: Importante é acreditar naquilo que estamos criando e vivenciando a cada dia. Nem todo mundo tem este privilégio até a hora partir. Cada um segue com a bagagem que arrumou com cuidado nos porões da alma. Sinto então que a morte é o inevitável encontro conosco mesmo. Mas que ainda tem tempo... quem sabe este encontro aconteça agora mesmo.
Quando o medo se faz presente, costumo dizer a mim mesma: enquanto minha alma passear por uma avenida cheia de carnaval e repleta de coisas sagradas, estarei vivinha da silva!
Ouçamos a música do Gonzaguinha em nossos corações: "Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz"... Que seja nosso refrão.
Tristezas do passado e medo do futuro... Péssima dupla!
Bem, Já que ninguém avisou como seria o inverno da vida, o jeito é, corajosamente, descobrirmos por nós mesmos. Tem outro jeito?


4 comentários:

Élys disse...

alsolitGosto deste momento em que a juventude física ficou para trás, mas o tempo trouxe a beleza da experiência, onde vejo o futuro com a tranquilidade dos que acreditam que a vida sempre continua, num progredir permanente e a felicidade é buscada no interior do meu ser...
Beijos.
Élys.
Obs:Tenho 74 anos.

MJFortuna disse...

Eliana Luppi, por email:

Já que ninguém avisou, o jeito é nós nos acolhermos com o cobertor macio
e quentinho de nosso próprio coração, que bate feliz pelos privilégios e oportunidades
que soubemos aproveitar e viver.

MJFortuna disse...

Seu estado de espírito é tudo de bom, amigo Élys!

Grande abraço

MJFortuna disse...

Zulêde me enviou por email


Texto espetacular, vamos divulgá-lo no nosso próximo curso de "idosos", de abril!Obrigada por me tê-lo enviado!
Beijos, Sonia.

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