O Major Pirola
Maria J Fortuna
Correu boato na cidade que o velho Major Pirola gostava de conversar com a Mãe
D´Água no quintal de sua casa, onde havia um ancestral poço de pedra. Pois era
lá que ela costumava aparecer. A menina Maria, de nove anos, ficou
muito interessada nessa história... ou estória, não sei. O fato é que quando
ela passava pela casa dele, do major, sentia certo arrepio. Na verdade , era
intrigante saber que o velho militar aposentado tão sisudo e cansado de guerra,
tinha tempo e prazer em bater papo e se deslumbrar com tal controvertida
figura, que ninguém sabia se veio de Deus ou do demônio... Era mãe, o que lhe
dava garantia de ser amorosa, mas ao mesmo tempo sedutora, coisa que não ficava
bem a uma mãe. E por que ele, o Major, ainda não tinha caído no poço como
todos os homens que se deslumbravam com a lendária e perigosa figura?
Interrogava a menina a si mesma. A Mãe D´Água, pelo que todo mundo ali
sabia, encantava os homens e os chamava para as águas, soltando sua bela voz de
outro mundo, numa doce e desconhecida canção, que inflamava os corações de suas
vítimas com incontrolável paixão! Daí eles ficavam
obcecados e não mais voltavam para suas casas e seus entes queridos.
Sumiam no poço como se o mesmo os sugasse todos como se fosse canudinho de
refresco gigante. Só que ao contrário. Talvez nada tivesse acontecido até
aquela data com o Major Pirola devido a que, a tão magnífica e paradoxal
entidade, metade moça, metade peixe, tinha dó daquele velho. Pois
era sabido que ela só encantava com sua faceirice, jovens fortes e corajosos,
de preferência pescadores que, navegavam e pescavam pelos rios e, portanto,
mais expostos aos seus encantos... Na realidade a
sereia teria percebido que aquele velho não serviria pra nada no fundo do
poço... Além disso era difícil de acreditar que um militar ex-combatente
da primeira guerra mundial, que fumava charuto e andava de bengala, cederia
às armadilhas sedutoras daquela fatal criatura! Pelo que tudo
indicava a tal Mãe das águas queria divertir-se com o ancião. Criaturas da
água, elas são livres, soltas e divertidas, mas também tinham aquele toque perverso
de querer possuir e descartar o sujeito encantado. Não gostavam de redes ou
cabrestos e adoravam brincar, livres e soltas...
Mas os comentários continuavam a perder de ouvido... Disseram que o Major
Pirola, após permanecer algum tempo olhando pras águas escuras do poço, havia
pegado “quebranto”, algo que só acontecia com criança pequena e que só era
curado por mulher benzedeira. - Deve ser porque quanto mais velho a pessoa
fica, mais vai virando criança, pensava Maria. Mas nem uma mulher, pelas
redondezas, que praticava aquele oficio, queria benzer o pobre major. Ele era
muito sisudo para se submeter à magia das curandeiras.
Esse era outro motivo pelo qual o velho continuasse sofrendo de
quebranto... estava ficando magro e com cor amarelada. A menina achava que a
sereia não o levava profundo do poço porque não se judia de velho que cada dia
virava mais criança...
O tal boato do major corria
solto de que o velho combatente estava encantado, ganhou ainda mais
espaço quando sua empregada, tão idosa quanto ele, dizia que hipnotizado pela
Mãe D´Água, o coitado ficava gelado e com febre. Mudo o dia todo... não falava
uma só palavra, nem para lhe dar ordens, o que ele mais gostava!
Mas aquilo era mentira, pois o pai de Maria, quase todas as tardes,
jogava gamão com Major Pirola e nunca disse que ele ficava mudo o jogo todo,
apesar de ser um homem introvertido e resmungão. Mas o pai da
menina sabia e amava jogar gamão, com isso conquistou o ancião, que não tinha
família ou amigos.
Quando
a menina passava pela casa do longevo senhor, via sua silhueta de costas para a rua e o
seu pai de frente para ele. Portando voltado para rua. No meio, o tabuleiro de
gamão. Ele tinha esse costume: deixar a porta bem aberta porque dizia não
ter nada a temer, pois além do mais andava armado o tempo todo. Só
fechava a porta da rua quando a veste escura do céu ficava cheia de pingos
de luz piscante, que eram as estrelas.
Certo dia, quando o sol estava de partida, deixando seus últimos raios
amornando os telhados das casas daquela pequena cidade no interior do Maranhão,
Maria foi comprar pão na Venda da esquina, como o fazia todos os dias a mando
de sua mãe. O vento estava soprando de um jeito estranho, como se o
zumbido dele sacudisse as palmeiras de babaçu. A menina ouviu uma doce voz
murmurando canção desconhecida... Um pressentimento estranho tomou conta de seu coração.Quando passou pela casa do Major Pirola, um frio percorreu seu mirrado corpinho diante de uma cena inesperada! Pela porta aberta da casa, no lugar
da pequena mesa rústica de gamão, havia um caixão em meio a duas velas. Ela viu
a careca do major, reluzindo ao clarão das duas pequenas chamas. Ninguém
estava lá. Nem seu pai que havia viajado para a Capital. A menina fez
esforço para superar o medo e rezou ali, baixinho.... Apressada pegou os pães
na Venda e saiu correndo para casa. Mas ainda deu para ouvir uma voz dizendo:
- Coitado do Major Pirola! Nem foi a Mãe D´Água que o levou; foi a tuberculose...
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Um comentário:
Vagner Aniceto
10:58 (Há 21 minutos)
para mim
Lindo ... lindo ... Poderia fazer um livro deles ... beijos.
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