Maria J Fortuna
Sabe, quando a gente acorda com a estranha sensação de
estar vivendo no limbo? Aquele lugar onde a Igreja dizia ( será
que ainda diz?) que ficam para sempre, depois de mortos, os que não foram
batizados? Tipo nem salgado, nem doce? Pois é... O tempo fica
preguiçoso e se veste de Dorival Caymmi: canções dentro do peito e
balanço na rede...
“Se já
fora
Que importa agora
Retalhar a dor, ai
Que doeu outrora
Infindada
A vez não é nada
Passaram-se agora”
Que importa agora
Retalhar a dor, ai
Que doeu outrora
Infindada
A vez não é nada
Passaram-se agora”
Podia ser. Mas não é. Este estado parecia não incomodá-lo, como a mim aborrece.
Para ele, sesta gostosa, para mim, perda de tempo.
É
tristeza branca, envolvida por nuvem acinzentada, vestindo a alma... E o
colorido não é de fácil mudança, porque mal aparece... Dou graças
quando surge algo que me possa sacudir, tirar-me desse estado. É parente
da saudade, mas em estado passivo, de lembranças não vêm embrulhadas pela
emoção. Na verdade, a alma querendo hibernar, adota o gênero:
deixa pra lá, quero mais é ficar quieta... Sem, contudo, tratar-se
de inércia.
Não
tendo sentimentos opostos para ser conflito, assemelha-se a certo estado de
tela, encoberta por filó... Sem que eu tenha o mínimo interesse para
desvendar esse véu que a encobre. O que lá existe, é natureza morta, penso eu.
E, mesmo com a certeza da presença de tintas e pincéis, nada me motiva a
usá-los. O engraçado é que não há sensação de provisório, mas uma espécie
de quase estagnação em que os movimentos se tornam pesados e lentos...
Pensou
em depressão? Não, não é isso... Acontece uma vontade enorme de
ficar na minha, como se diz por aí: calada, de um jeito quase meditativo,
sem saber por quê. Nada tem a ver com desesperança! Nem com desespero.
Talvez esta forma de manifestar-se, sem muita expressão, tem a ver
com um quase sonambulismo, sem conforto dos sonhos bons. Também não trás
pesadelo. Posso dizer que é escrita sem exclamação, comida insossa, instrumento
musical mudo, nuvens carregadas que não se transformam em chuva... Chato, não
é? Também não é crise de fé.
Lembra
deserto... Tão belo em sua aridez! Mas hoje também não sinto
beleza, como já disse, por causa da quase ausência da Luz.
Em
seu livro Deserto, Jean Yves Leloup escreveu: “Afirma-se,
às vezes que Deus se retira, que ele nos abandona; Mas não é Deus que não nos
abandona; são nossas ilusões, nossas projeções. Não se perde a fé; pelo
contrário, começa-se a entrar mais fundo na fé quando se perdem todas as
crenças, quando se deixam de lado os apoios das nossas representações.”
Não
será este estado de deserto, este limbo, alimento sem sal,
nuvens cinzentas sem chuva, este meu deserto interior, a continuidade do
processo de esvaziamento que estou vivendo?
4 comentários:
ADOREI A VISITA E O POEMA, VOU PUBLICAR!!!!!!!!
BEIJOS
BEIJOS E SAUDADES!
Maria do Céu, por email:
Querida, ando me sentindo assim, assim mesmo como suacrônica descreve.
O Limbo acabou , por decisão do Concílio Vaticano II e a penadafinal foi dada por João Paulo, o papa polonês.
Mas este Limbo de que fala existe de verdade. E é irrevogável...Mas passa, e depois volta, e depois vai embora. Um círculo vicioso, ou seriavirtuoso, porque às vezes, é importante uma hibernaçãozinha e volta para nossoavesso. Mas é difícil... Como bem sabe, faz parte da vida e seu MISTÉRIO.
Outro dia li, do Marcelo Gleiser, que “ tanto a Ciência quantoa Religião são um inexorável mistério”. E são mesmo... Sabe-se tão pouco, nãoé?
Obrigada pela bela crônica e por estar por perto, mesmo longe,.
Cecéu.
Teresa Braga, por email:
M.J FORTUNA,
Lindo o seu texto, se percebe que saiu do fundo d'álma!!!!
Mas é o esperado nessa "Transição Planetária" e o ano mal começou!!!!
Por ser uma TRANSIÇÃO, haveremos que nos ajustar às NOVAS ENERGIAS. E a "quebra de paradigmas" faz parte, sendo essencial para o NOVO que chega!!!!
Muitas tristezas ainda sentiremos todos, sem exceção, nessas MUDANÇAS, que ai já estão!!!!
Mas ao nos unirmos, para que um ampare a tristeza do outro, creio ser a única e fatal saída!!! Pelo menos, é nisso que acredito!!!
Nos fazermos somente "UM" com o "outro" ao lado, não importando se conheço ou não, e o TODO, INEVITAVELMENTE passará a ser "UM" igualmente!!!!!
E vc faz a sua parte para esse encontro de TODOS se tornando "UM" lindamente, com a sua sensibilidade e poesia!!!!
Meu fraterno carinho!!!
TERESA BRAGA
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